Continuidade
dos Parques
Júlio
Cortázar ( 1914 - 1984 )
Havia começado a ler o romance uns dias antes.
Abandonou-o por negócios urgentes, voltou a abri-lo quando regressava de trem à
chácara; deixava interessar-se lentamente pela trama, pelo desenho dos
personagens. Essa tarde, depois de escrever uma carta ao caseiro e discutir com
o mordomo uma questão de uns arrendamentos, voltou ao livro com a tranquilidade
do gabinete que dava para o parque dos carvalhos. Esticado na poltrona
favorita, de costas para a porta que o teria incomodado com uma irritante
possibilidade de intrusões, deixou que sua mão esquerda acariciasse uma e outra
vez o veludo verde, e começou a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha
sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão romanesca
ganhou-o quase imediatamente. Gozava do prazer quase perverso de ir
descolando-se linha a linha daquilo que o rodeava, e de sentir ao mesmo tempo
que sua cabeça descansava comodamente no veludo do alto encosto, que os cigarros
continuavam ao alcance da mão, que mais além das janelas dançava o ar do
entardecer sob os carvalhos. Palavra a palavra, absorvido pela sórdida
disjuntiva dos heróis, deixando-se ir até as imagens que se combinavam e
adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na cabana da
colina.
Antes entrava a mulher, receosa; agora chegava o
amante, com a cara machucada pela chicotada de um galho. Admiravelmente ela
fazia estalar o sangue com seus beijos, mas ele recusava as carícias, não tinha
vindo para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo
de folhas secas e caminhos furtivos. O punhal se amornava contra seu peito e
por baixo gritava a liberdade refugiada. Um diálogo desejante corria pelas
páginas como riacho de serpentes e sentia-se que tudo estava decidido desde
sempre. Até essas carícias que enredavam o corpo do amante como que querendo
retê-lo e dissuadi-lo desenhavam abominavelmente a figura de outro corpo que
era necessário destruir. Nada havia sido esquecido: álibis, acasos, possíveis
erros. A partir dessa hora cada instante tinha seu emprego minuciosamente
atribuído. O duplo repasse, sem dó nem piedade, interrompia-se apenas para que
uma mão acariciasse uma bochecha. Começava a anoitecer.
Já sem se olharem, atados rigidamente à tarefa que
os esperava, separaram-se na porta da cabana. Ela devia continuar pelo caminho
que ia ao norte. Do caminho oposto, ele virou um instante para vê-la correr com
o cabelo solto. Correu, por sua vez, apoiando-se nas árvores e nas cercas, até
distinguir na bruma do crepúsculo a alameda que levava à casa. Os cachorros não
deviam latir e não latiram. O mordomo não estaria a essa hora, e não estava.
Subiu os três degraus da varanda e entrou. Do sangue galopando nos seus ouvidos
chegavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois um longo
corredor, uma escada acarpetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro
quarto, ninguém no segundo. A porta do salão, e depois o punhal na mão, a luz
das janelas, o alto encosto de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem
na poltrona lendo um romance.
Responda
as perguntas em folha separada.
1.
Podemos
dizer que é um conto de mistério? Por quê?
2.
Que
tipo de narrador você identifica na história?
3.
Quais
os espaços da narrativa?
4.
Quem
são os personagens da história que o leitor lê? O que eles tramavam?
5.
O
que representava o punhal para eles?
6.
Esta
é uma história dentro da história. Justifique a afirmativa.
Características do conto:
O conto caracteriza-se por ser uma narrativa curta, na qual o espaço e o tempo são reduzidos, como também apresenta poucos personagens.
No conto a trama é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é preciso que o leitor "veja" claramente os acontecimentos. Se no romance o espaço/tempo é móvel, no conto a linearidade é a sua forma narrativa por excelência.
Características do conto:
O conto é uma obra de ficção que cria um universo de seres, de fantasia ou acontecimentos. Como todos os textos de ficção, o conto apresenta um narrador, personagens, ponto de vista e enredo.
Classicamente, diz-se que o conto se define pela sua pequena extensão. Mais curto que a novela ou o romance, o conto tem uma estrutura fechada, desenvolve uma história e tem apenas um clímax. Num romance, a trama desdobra-se em conflitos secundários, o que não acontece com o conto. O conto é conciso.
O conto caracteriza-se por ser uma narrativa curta, na qual o espaço e o tempo são reduzidos, como também apresenta poucos personagens.
No conto a trama é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é preciso que o leitor "veja" claramente os acontecimentos. Se no romance o espaço/tempo é móvel, no conto a linearidade é a sua forma narrativa por excelência.
Focos narrativos[editar | editar código-fonte]
- Primeira pessoa: Personagem principal conta sua história; este narrador limita-se ao saber de si próprio, fala de sua própria vivência. Esta é uma narrativa típica do romance epistolar (século XVIII).
- Terceira pessoa: O texto é narrado em 3ª pessoa e neste caso podemos ter:
-
- a) narrador observador: o narrador limita-se a descrever o que está acontecendo, "falando" do exterior, não nos colocando dentro da cabeça da personagem; assim não sabemos suas emoções, ideias, pensamentos; o narrador apenas descreve o que vê, no mais, especula;
- b) narrador onisciente: conta a história; o narrador tudo sabe sobre a vida das personagens, sobre seus destinos, ideias, pensamentos; como se narrasse de dentro da cabeça delas.
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